O aumento de tarifas dos Estados Unidos sobre os produtos brasileiros tende a fazer um estrago no setor de alimentos, uma das principais preocupações do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E, para piorar, levantamento Serasa Experian revela números preocupantes para o setor antes mesmo do aumento de 50% na sobretaxa anunciada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, que deverá começar a valer em 1º de agosto.
Os pedidos de recuperação judicial no agronegócio brasileiro dispararam no primeiro trimestre de 2025, somando 389 solicitações — um avanço de 44,6% em relação ao mesmo período do ano passado. Na comparação com o último trimestre de 2024, o aumento foi de 21,5%, de acordo com o levantamento realizado pela Serasa Experian. Do total de pedidos, 195 foram apresentados por produtores rurais que atuam como pessoa física, o grupo com maior participação nas solicitações registradas no período. Em relação ao trimestre anterior, o número representa um crescimento de 39,2%.
De acordo com autoridades do governo, três fatores estruturais explicam por que o agronegócio está entre os mais vulneráveis: a perecibilidade dos produtos, contratos firmados com antecedência e a logística que já pode estar em andamento quando as medidas entrarem em vigor.
"No caso do agro, temos duas situações que exigem atenção, produtos perecíveis e cargas que já foram embarcadas. Por isso, o prazo é crítico, e todos estamos empenhados em buscar alternativas rapidamente", afirmou o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, após reunião com representantes do setor produtivo na última semana.
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, também destacou os desafios logísticos diante da rapidez com que as tarifas devem ser implementadas. "Não é possível, em 10 ou 15 dias, redirecionar toda a produção que já estava destinada aos Estados Unidos. O diálogo está aberto e seguirá sendo conduzido com respeito à soberania e altivez."
O impacto já é sentido em setores como o de carnes bovinas. A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), que responde por cerca de 98% das exportações brasileiras do produto, alertou o governo sobre a retração na produção causada pela incerteza em torno da nova taxação. "Os frigoríficos já estão parando a produção destinada aos EUA, justamente por causa da indefinição", afirma o presidente da entidade, Roberto Perosa.
Segundo a Abiec, os Estados Unidos são o segundo maior destino da carne bovina brasileira, atrás apenas da China. A associação estima que aproximadamente 30 mil toneladas, avaliadas entre US$ 150 milhões e US$ 160 milhões, estejam nos portos ou em trânsito. A entidade expressa preocupação com o tratamento que esses volumes receberão a partir de 1º de agosto, data prevista para a entrada em vigor das novas tarifas.
Exportações em queda
Apesar de a sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros ainda não ter entrado em vigor, ela já vem causando impactos imediatos nas exportações do país. Em menos de 24 horas após o anúncio, embarques foram suspensos, contratos cancelados e empresas interromperam as atividades, como os setores de carne bovina, pescados, mel, madeira, móveis e pedras naturais.
A nova tarifa gerou reação imediata no mercado norte-americano. Importadores cancelaram pedidos e adiaram negociações por receio da taxação, o que já afeta diretamente a economia de estados exportadores, como Mato Grosso do Sul, Paraná, Piauí, Espírito Santo e Pernambuco.
No Mato Grosso do Sul, frigoríficos como JBS, Minerva, Naturafrig e Iguatemi interromperam os envios de carne aos Estados Unidos. O estado, também um dos maiores exportadores de tilápia, viu embarques paralisados por conta da instabilidade comercial. Segundo o Sindicato das Indústrias de Frios (Sindifrios-MS), os EUA absorvem 99,6% da tilápia produzida no estado.
No Piauí, a Central Casa Apis, responsável pela exportação de mel orgânico, relatou o cancelamento de grandes encomendas e o atraso na liberação de cinco contêineres com mais de 95 toneladas de produto, que só foram liberados após negociações urgentes.
O setor madeireiro também foi duramente atingido. No Paraná, a empresa BrasPine concedeu férias coletivas a 700 funcionários após a suspensão de embarques. Os Estados Unidos representam 42,4% do total exportado pelo setor. No Rio Grande do Sul, empresas de móveis enfrentam o mesmo cenário de incerteza e retração.
Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca), ao menos 58 contêineres com pescado estão parados nos portos do Ceará, Pernambuco e Bahia. Os EUA são o principal destino dos pescados brasileiros, com participação de cerca de 70% nas exportações do setor.
No Espírito Santo, maior exportador de mármore e granito do Brasil, os embarques foram suspensos. O estado tem nos EUA seu maior comprador, responsável por 66% das vendas.
Além dos produtos já afetados, outros segmentos temem os desdobramentos da nova tarifa. A Embraer, por exemplo, calcula perdas de até R$ 20 bilhões até 2030 com a possível redução na venda de jatos comerciais e executivos — 45% e 70% de suas vendas, respectivamente, têm como destino os Estados Unidos.
Também estão em alerta os setores de suco de laranja, café, cana-de-açúcar e uvas, principalmente, em estados como São Paulo e Pernambuco. O porto de Santos estima perdas de até R$ 145 milhões apenas no segmento cafeeiro, caso as tarifas sejam efetivamente aplicadas.
Oferta de crédito restrita
Conforme dados do levantamento da Serasa Experian, o aumento nos pedidos de recuperação judicial reflete um cenário financeiro mais desafiador no campo, marcado por oscilações nos preços das commodities e por uma oferta de crédito mais restrita.
"Muitos produtores enfrentam custos elevados, prazos longos para receber, maior exigência de garantias e dificuldades na rolagem de dívidas, fatores que pressionam o caixa e reduzem as margens de manobra", explica Marcelo Pimenta, head de Agronegócio da Serasa Experian.
Apesar da alta nos volume de pedidos de recuperação judicial, Pimenta ressalta que o número absoluto de solicitações ainda é pequeno diante do universo total de produtores com acesso ao crédito rural. "É fundamental considerar que, frente aos cerca de 1,4 milhão de produtores que tomaram crédito rural nos últimos dois anos, o volume de pedidos segue relativamente baixo. Os dados que analisamos ajudam o mercado a entender melhor os riscos e tomar decisões mais seguras", pondera.
O levantamento revela que os produtores sem registro formal de propriedade, incluindo arrendatários e membros de grupos econômicos ou familiares, continuam liderando os pedidos de recuperação judicial. Esse perfil respondeu por 72 solicitações no período analisado.
De acordo com Pimenta, esses produtores costumam operar com margens mais estreitas, pois além dos custos da atividade em si, arcam com despesas adicionais, como o pagamento pelo uso da terra. "Então, em cenários de maior volatilidade climática e de crédito, encontram desafios maiores na gestão financeira e no acesso a garantias, o que explica, em parte, a busca por instrumentos de reequilíbrio judicial", pondera.
Os produtores rurais que atuam como pessoa jurídica registraram 113 pedidos de recuperação judicial no primeiro trimestre. O número representa uma alta modesta de 2,7% em relação aos três meses anteriores, mas um avanço significativo de 31% na comparação com o mesmo período de 2024.
Bovinos e soja
Os pedidos de recuperação judicial concentraram-se em setores específicos. A análise por segmento apontou que a "criação de bovinos" e o "cultivo de soja" lideraram as solicitações, com 42 e 59 registros, respectivamente. "A soja sofre com flutuação de preço e alto custo de insumos. A pecuária é impactada pela seca, pelo custo da alimentação e pela volatilidade no preço do boi. Já a cana exige alto investimento, tem um ciclo longo de produção e é sensível tanto ao clima quanto à política de preços do etanol e do açúcar", explica economista Pablo Alencar, sócio da Valor Capital.
Os reflexos da disparada nos pedidos de recuperação judicial vão além das propriedades rurais, de acordo com Alencar. "O impacto é sistêmico. Ele gera insegurança no mercado de crédito, torna o acesso ainda mais restrito e causa um efeito dominó, afetando fornecedores, cooperativas e a indústria", alerta o economista.
Ele também chama atenção para as consequências sociais e econômicas mais amplas. "Há perda de emprego, impacto na oferta de produtos e possível aumento no preço ao consumidor. A imagem do agronegócio como um todo também sai prejudicada."
A análise das empresas vinculadas ao setor do agronegócio revela que esse grupo também recorreu ao processo. No primeiro trimestre de 2025, foram registrados 81 pedidos, refletindo um crescimento de 15,7% em relação ao trimestre anterior e um aumento de 5,1% na comparação com o mesmo período de 2024.
Esse aumento está diretamente ligado à queda no faturamento do setor e à escassez de crédito com juros acessíveis. É o que aponta o economista Newton Marques, professor da Universidade de Brasília (UnB). "Esses pedidos sempre estão relacionados com a queda do faturamento do setor e com a falta de crédito a juros mais baixos", afirma.
Entre os principais segmentos das empresas analisadas, o comércio atacadista de produtos agropecuários primários liderou em número de pedidos, com 23 solicitações. Na sequência, apareceram as agroindústrias de transformação primária e o comércio atacadista de produtos agropecuários processados, ambos com 14 pedidos cada.
A alta da recuperação judicial também gera efeitos em cascata nas cadeias produtivas, conforme destaca o professor. "Toda recuperação judicial provoca interrupção nas cadeias produtivas para frente e para trás", analisa. De acordo com Marques, as empresas situadas à frente nas cadeias são indústrias e credores, enquanto as que estão atrás incluem trabalhadores, fornecedores de insumos, fertilizantes e vacinas.
O mercado projeta uma desaceleração do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio em 2025, com expansão mais moderada em relação aos anos anteriores. Segundo o economista, o endividamento atual tende a repercutir negativamente em todo o ciclo produtivo e esse desequilíbrio compromete ainda a produção futura no campo.
"As novas safras ficam comprometidas porque, sem pagamentos daqueles setores credores — bancos, fornecedores, cooperativas e mão de obra — há um forte impacto de queda na oferta dos produtos do agronegócio", afirma. (Colaborou Jessica Andrade Especial para o Correio)
Fonte: correiobraziliense
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